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Charles Bukowski: Resistência e Amor

Por que Pernambuco é um Estado Diferente?


Pernambuco é um estado diferente porque não nasceu apenas de fronteiras; nasceu de choques, encontros e acidentes históricos que deixaram cicatrizes luminosas. A identidade pernambucana é o resultado de uma química rara entre geografia improvável, cultura exuberante e uma história que nunca se acomodou. É como se ali o Brasil tivesse se permitido experimentar todas as formas possíveis de ser Brasil.

O ponto de partida está no período colonial. Olinda, ainda no século XVI, surgiu como uma das cidades mais ricas das Américas. A economia do açúcar irrigava palacetes, igrejas, sobrados e uma vida urbana incomum no mundo português. Essa riqueza não foi apenas material; ela atraiu povos, interesses e disputas que transformariam a região em um laboratório de convivência forçada. Holandeses chegam, ocupam, reurbanizam e deixam traços que ainda hoje se percebem nas ruas do Recife Antigo. Judeus estabelecem ali a primeira sinagoga das Américas. Africanos moldam ritmos, costumes e temperamentos. Povos indígenas sustentam a base de uma cultura que persiste mesmo sob camadas sucessivas de colonização. Pernambuco nunca foi homogêneo; foi, desde cedo, um redemoinho de influências.

O impressionante é como essa mistura não se diluiu. Ela se adensou. No século XVII, o Recife se organiza como uma cidade de pontes, canais e ilhas, ganhando mais tarde o apelido de Veneza brasileira. Nada disso é exagero. A estrutura urbana moldada pela água definiu a expansão da cidade, determinou sociabilidades, influenciou a circulação de pessoas e produziu uma paisagem que não existe em nenhum outro lugar do país. E tudo isso convive com uma zona da mata marcada pela cana-de-açúcar e com um sertão que desafia a lógica ao produzir um quarto de todo o vinho brasileiro.

Essa multiplicidade de territórios gerou uma multiplicidade de culturas. O frevo é o exemplo mais óbvio. Não basta dizer que é um ritmo. O frevo é um quase impossível, uma coreografia de velocidade e invenção que produziu cento e vinte passos catalogados. É um patrimônio imaterial não apenas pela exuberância técnica, mas porque expressa uma energia social difícil de traduzir: uma alegria que não se explica, apenas se testemunha nas ruas. O maracatu, por sua vez, conta outra história, mais lenta, ritualística, carregada da memória africana e da reelaboração cristã. É uma forma de resistência simbólica que sobreviveu ao tempo porque sempre teve função viva.

O carnaval pernambucano condensa todas essas forças. O Galo da Madrugada arrasta milhões não por espetáculo, mas por pertencimento. A festa funciona como uma grande síntese da identidade local, onde o popular, o sagrado, o profano e o ancestral ocupam o mesmo espaço. Não é uma performance. É um modo de existir.

Quando se observa Pernambuco em sua totalidade, percebe-se que nenhuma dessas singularidades está isolada. A história profunda explica a cultura, que explica o território, que explica o comportamento coletivo. A ocupação holandesa deixou marcas arquitetônicas. A presença judaica influenciou hábitos e ampliou o horizonte social. A herança africana estruturou ritmos, culinárias e espiritualidades. A geografia fragmentada em ilhas, rios e sertão ensinou o estado a lidar com contrastes sem se desfazer.

E ainda há pequenos detalhes que revelam o ineditismo. Pernambuco é o único estado brasileiro cujo nome não repete nenhuma letra, como se até a língua quisesse marcar diferença. Fernando de Noronha pertence ao estado mesmo a centenas de quilômetros de distância, ampliando ainda mais a diversidade geográfica. O Vale do Catimbau abriga um dos maiores sítios arqueológicos do país. Olinda é patrimônio da humanidade. Recife Antigo é um centro histórico preservado que mantém vivos os traços das ocupações sucessivas. Não há monotonia possível em um território assim.

Tudo isso transforma Pernambuco em algo que ultrapassa as categorias tradicionais. Não é apenas diverso. Não é apenas histórico. Não é apenas culturalmente forte. É uma síntese improvável de forças que, em qualquer outro lugar, se dissolveriam. Ali, se potencializam. Pernambuco funciona como uma lente pela qual se enxerga o Brasil em suas tensões, belezas e paradoxos. É um estado que não aceita rótulos porque nunca precisou deles para existir.

Por isso é diferente. Porque carrega a ancestralidade indígena, a força africana, a astúcia luso-brasileira, a marca holandesa e a memória judaica. Porque produz cultura em abundância, como se a criatividade fosse um recurso natural. Porque construiu cidades sobre ilhas, reinventou ritmos, fez da festa uma linguagem e do sertão um campo de vinho. Porque cada pedaço do território narra uma história que não se repete.

Pernambuco é diferente porque nunca foi igual a nada. É uma espécie de país dentro do país, onde todo contraste encontra um lugar. Um estado que não cabe na moldura do óbvio. Um estado que vive de excessos, encontros e surpresas. Um estado que, antes de ser entendido, precisa ser sentido. E talvez seja justamente isso que o torna inesquecível.

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