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Emil Cioran, em "Précis de décomposition" [Breviário de Decomposição, 1949]

Por que Admiro a Civilização Germânica

Thomas Mann e seus Netos

Admiro a civilização germânica porque poucos povos conseguiram transformar a própria história em músculo intelectual. Quando se olha para o mapa cultural da Alemanha, percebe-se algo extraordinário, uma sucessão de mentes que redesenharam a filosofia, a ciência, a música, a crítica literária, a poesia, a política e até a própria ideia de modernidade. Einstein, Planck, Heisenberg, Gauss, Hilbert, Riemann, Leibniz, Kant, Hegel, Schopenhauer, Nietzsche e Heidegger. Depois deles, Benjamin, Adorno, Horkheimer, Habermas, Cassirer, Jaspers, Gadamer e Sloterdijk. Na literatura, Arno Schmidt, Günter Grass, W. G. Sebald e Heiner Müller. Na poesia, Hölderlin, Rilke, Celan e Benn. Nas ciências humanas, Luhmann, Blumenberg e Hans Jonas. Na música, Bach, Beethoven, Brahms, Wagner, Schumann, Mendelssohn e Händel. Essa lista, sozinha, já justificaria minha admiração, mas o que realmente me fascina é o processo histórico que tornou tudo isso possível.

A Alemanha carregou nas costas guerras religiosas, fragmentação feudal, a devastação dos Trinta Anos, revoluções, unificação tardia, duas guerras mundiais, ruínas totais em 1918 e 1945, além da divisão por um muro que separou famílias e consciências. Ainda assim, reconstruiu-se. Mais de uma vez. A cada queda, voltou mais disciplinada, mais metódica, mais consciente da importância das instituições, da ordem, da civilidade e da responsabilidade histórica. Poucos países aprenderam tanto com os próprios desastres.

Um dos alicerces dessa força foi a educação. No século XVI, Martinho Lutero defendeu que todos deveriam aprender a ler para interpretar a Bíblia sem intermediários. Essa defesa da alfabetização virou tradição cultural. Uma população letrada, exigente e curiosa se formou ao longo dos séculos. Esse terreno sólido alimentou universidades e centros de pesquisa que não dependiam apenas de genialidade individual, mas de uma comunidade inteira treinada para pensar, questionar, debater e inovar.

O patrocínio às artes e às ciências também moldou essa civilização. Quem governava sabia que investir em filosofia, música, engenharia, química e literatura criava prestígio, força e modernidade. Depois de 1871, com a unificação, o investimento foi intenso. Tecnologia, indústria e ciência se tornaram pilares do Estado. O ambiente era fértil, permitindo que Wagner existisse, assim como a Escola de Frankfurt e os laboratórios que geraram a física quântica.

Hermann Hesse e Thomas Mann também fazem parte dessa constelação que define a grandeza intelectual alemã. Hesse explorou a alma como quem caminha por florestas míticas, unindo misticismo, psicologia e rebeldia espiritual em obras como Sidarta, O Lobo da Estepe e O Jogo das Contas de Vidro. Thomas Mann, por sua vez, elevou o romance europeu ao seu ápice ao dissecar a burguesia, a decadência cultural e a doença moral da modernidade. Em A Montanha Mágica, Doutor Fausto e Os Buddenbrooks, ele transformou inquietações históricas em literatura de rigor monumental. Juntos, Hesse e Mann ampliaram a sensibilidade alemã, mostrando que a grandeza de uma civilização também se mede pela profundidade com que ela encara o espírito humano.

O que me impressiona é como rigor e sensibilidade caminharam juntos. A Alemanha uniu precisão intelectual e imaginação estética de um jeito raro. A filosofia construiu sistemas intrincados. A música criou catedrais sonoras. A poesia abriu abismos existenciais. Einstein pensava como músico. Celan escrevia como quem atravessa memória e trauma. Heidegger repensou o ser com ambição quase arquitetônica. Luhmann reorganizou as ciências sociais como quem monta um mecanismo delicado. Sebald escreveu como se o mundo fosse feito de poeira e lembrança. Nada disso nasce do acaso; nasce de um povo que leva idéias a sério.

A Alemanha criou um ambiente em que crítica, disciplina e profundidade fazem parte do cotidiano. Lá, estudar nunca foi exagero, pensar nunca foi perda de tempo e criar nunca foi luxo. Admiro a civilização alemã porque ela fez da reconstrução um hábito, da disciplina um método e do pensamento uma vocação. Nenhum desses elementos basta sozinho. Juntos, criaram o terreno onde tantos gênios germinaram. Dessa combinação de rigor, cultura, resiliência e coragem intelectual nasce minha admiração.

 

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