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A Moral como Sentimento: A Revolução de David Hume [do Editor]

Créditos: Livre Web A crítica de David Hume ao racionalismo moral representa uma das suas contribuições filosóficas mais radicais e duradouras. Ela se ergue sobre a distinção intransponível entre o domínio do que é e o domínio do que deve ser. Hume argumenta que a razão, em seu exercício legítimo, apenas descobre relações entre ideias, como na matemática, ou questões de fato, como nas ciências naturais. No entanto, quando declaramos uma ação "boa" ou "má", não estamos reportando um fato objetivo no mundo, nem deduzindo uma verdade lógica. Estamos, na realidade, expressando um sentimento de aprovação ou desaprovação que brota de nossa constituição emocional. Por esse prisma, a razão é perfeitamente incapaz, por si só, de nos mover à ação ou de fundar qualquer obrigação moral. O cerne da ética humeana, portanto, desloca-se da esfera do intelecto para a esfera do sentimento. O principal conceito que ele mobiliza para explicar a origem dos juízos morais é a simpatia. En...

O Sermão do Amor Fino pelo Padre Antônio Vieira [do Editor]

Domínio Público


O Sermão do Amor Fino, uma das mais notáveis peças da oratória sacra do Padre Antônio Vieira, tem como cerne a defesa intransigente de uma caridade pura e desinteressada, contrapondo-a ao que o orador considera ser o amor imperfeito e utilitário, comum nas relações humanas. Vieira constrói sua pregação sobre a distinção crucial entre o amor que busca a recompensa e o amor que apenas se doa, estabelecendo a tese de que apenas este último pode ser classificado como "fino", por estar isento de qualquer interesse egoísta.

O conceito central do Amor Fino, que se tornou célebre por Padre Antônio Vieira, encontra sua expressão mais completa no Sermão do Mandato, proferido em 1643. Baseando-se no Evangelho de João (13, 1), que descreve Jesus amando os seus "até o fim" (in finem dilexit eos), Vieira utiliza essa passagem, que antecede o ato do lava-pés, para diferenciar o amor de Cristo do amor humano, que ele classifica como "vulgar". O pregador defende que a perfeição do amor, a sua "fineza", reside na sua capacidade de ser puro e desinteressado, espelhando o exemplo divino de doação incondicional.

A tese do Amor Fino é sintetizada por Vieira através da citação de São Bernardo: Amor non quaerit causam, nec fructum (O amor não busca causa nem fruto). Vieira esclarece que o amor que busca uma causa (amar porque é amado) é mera obrigação ou gratidão, enquanto o amor que busca fruto (amar para que seja amado) é uma negociação interesseira. O amor fino, portanto, não pode ter um porquê nem um para quê. A única justificação para amar é o próprio ato de amar: Amo, quia amo; amo, ut amem (Amo, porque amo, e amo para amar). Somente aquele que ama sem depender da reciprocidade ou da expectativa de recompensa demonstra essa caridade superior.

Vieira aprofunda essa ideia ao contrastar a natureza do amor humano, que é frequentemente cego e ignorante, com o amor omnisciente de Cristo. Os homens amam por ilusões ou por razões incorretas, ignorando muitas vezes a verdadeira natureza do objeto amado. Em contraste, Cristo, ao amar, tinha plena consciência de quem amava (qui erant in mundo), do seu próprio valor (Sciens Jesus), e do fim sacrificial que o esperava (venit hora ejus). Essa superioridade se deve ao fato de que o amor de Cristo não era ignorante (amou sabendo da imperfeição dos homens), não era causal (não exigiu ser amado primeiro) e não era frutal (não buscou recompensa, mas a morte e o sacrifício). O fragmento famoso do Sermão do Mandato é, assim, a síntese lapidar dessa argumentação teológica e retórica, definindo o amor desinteressado como o ápice da caridade cristã.

Neste sentido, a oratória barroca de Vieira, marcada pelo engenhoso Conceptismo, é utilizada para desmascarar a falácia do amor condicional. O orador demonstra que o afeto que cessa quando o benefício se esgota ou quando a reciprocidade falha é, na verdade, uma transação disfarçada, indigna do ideal cristão. O amor "fino", por outro lado, encontra seu modelo perfeito no Amor Divino, que se manifesta na entrega incondicional de Cristo, que amou e sacrificou-se pela humanidade sem exigir merecimento prévio ou retorno. É um amor que opera na lógica da doação incondicional.

A finalidade última do sermão é, portanto, uma veemente exortação à ação. Vieira conclama os fiéis a imitarem essa pureza sacrificial, transcendendo as limitações do afeto mundano para praticar uma caridade genuína. Ele inspira a noção de que a prova da fé reside na capacidade de amar o próximo, mesmo quando este é ingrato, indiferente ou incapaz de retribuir. Assim, o Sermão do Amor Fino firma-se como um poderoso apelo à santificação das relações humanas, definindo a essência da verdadeira caridade como um ato de serviço e entrega que não busca glória nem recompensa, mas apenas o bem do outro.


Domínio Público


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