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Charles Bukowski: Resistência e Amor

Poema Indiferença - Cantiga de Ignorar [poema autoral do Editor]

Inteligência Artificial

INDIFERENÇA [Autoral]

Não.

Não me incomodo.
Não me importo.
Não me condoo.
É quase um exercício,
como quem fecha as janelas da alma
para não ouvir o vento que insiste.

Nem em recalque me percebo.
Apenas me deixo cair para dentro,
onde tudo é mais nítido
e menos útil.

Leitor de Sigmund,
fiz a autópsia do meu Ego
como fosse um relojoeiro cego.
Ali, no avesso, quebrei o malho
E os relógios velhos, 
do tempo das coisas,
do tempo de tudo,
como abdiquei do porvir!

Os pesos nas costas,
soltos, sem freio,
sem o pudor dos contrapesos.

Ciúmes? Talvez, da juventude,
que passa por mim como um pássaro
que não pousa nunca.
A maturidade curou-me,
mas deixou a cicatriz da lucidez,
tão incurável quanto elegante.

Inveja? Nunca. Talvez apenas
do ócio do meu mendigo interior,
esse companheiro descalço
que me pede sempre o que não posso dar.

A época, essa que nos embala,
é rasa de um modo quase mineral.
Tem a espessura de uma lâmina
de barbear esquecida no chão,
brilhante e sem destino.

Os nulos jamais foram tão nulos.
Pairam por aí como poeira iluminada.

A cultura mais elementar
virou epopeia artificial,
um esforço vão de parecer altura
onde só há estilhaços de gente.

Ninguém fala de ideias.
Só de dinheiro, o ganho e o por ganhar,
como se o mundo coubesse
num led piscante.

E o mundo, esse velho palco,
transformou-se numa mediocridade oceânica,
tão vasta que quase comove.

A Terra gira, redonda e azulada,
mas sem gentilezas,
sem delicadezas,
sem esse leve infinito
que um simples gesto carregava.

Parece que toda a gente [não toda!]
está doente, ou é o mundo que delira
no febril calor do presente.

Onde se escondeu a verdade do trato?
A empatia?
O repartir o pão como quem reparte destino?
As crianças na praça?
Os pombos?
As histórias ditas ao entardecer?
E os velhos?
Os velhos sobretudo, os meus velhos.

Ah, desses sei.
Um deles sou eu,
velho desde sempre,
como se tivesse nascido usado.

Mas não fico ali, parado,
paquidérmico na praça,
esperando o tempo pousar.

Crianças, pombos, velhos,
sumiram todos,
como símbolos que desistiram
de significar.

Restou-nos esta cafonice geral,
sem referência possível,
um mau gosto tão gritante
que até o silêncio se envergonha.

E toda a gente sabe de tudo,
toda a gente tem a verdade,
como se a verdade fosse um chaveiro.

Entre neons, fogos, MCs e filtros,
quem salvou a poesia?
Apenas ela, austera,
e a sua irmã, a filosofia.
Gêmeas órfãs do mundo.

Assim vou seguindo,
menos vazio que ontem,
menos raso que o tempo.

É um nada. É um mundo.
É este tempo ingrato
que me coube habitar.

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