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Passagem das Horas [poema de Álvaro de Campos - Fragmento] - Interpretação de Marco Nanini - A música em Pessoa
A Passagem das Horas explode como um monólogo de alguém que sente demais e que não encontra lugar onde pousar a própria consciência. O fragmento de Álvaro de Campos é um corpo vivo, inquieto, que se dobra sobre si mesmo para tentar compreender o tempo que o atravessa. Há uma urgência febril na sua cadência, como se cada verso adivinhasse o colapso iminente do sujeito diante da velocidade do mundo. E Marco Nanini, ao dar voz a esse turbilhão, não declama. Ele acende. Ele empresta ao poema uma pulsação quase carnal, como se a própria respiração fosse arrastada pelo fluxo pessoano.
O texto de Campos é uma máquina de sentir. O poeta parece desmontar a própria identidade, sempre fragmentada, sempre em disputa com um horizonte interior que nunca se estabiliza. A passagem das horas não é apenas o tempo cronológico. É o assombro metafísico do sujeito que percebe que tudo escorre pelos dedos. É o cansaço sublime de quem vê a vida passar e tenta agarrá-la com palavras, mesmo sabendo que as palavras falham. O ritmo cresce, afunda, retorna, como se obedecesse a uma maré emocional que arrasta o leitor junto.
Nanini converte esse estado de alma numa voz que vibra entre o lamento e o espanto. Ele não suaviza o poema. Ele o revela em sua aspereza luminosa, como se chamasse o público para dentro da tormenta. E é essa fusão que faz a experiência ser tão visceral: o poema já é música, mas quando atravessado por uma interpretação consciente do seu desassossego, torna-se quase uma sinfonia interior. A intensidade pessoana ecoa no timbre, na pausa, no silêncio que precede o próximo verso, como se o ator respirasse no mesmo ritmo do heterônimo.
O fragmento se ergue então como um canto de lucidez e vertigem. Um retrato do homem moderno que tenta decifrar a própria multiplicidade enquanto o tempo o empurra para frente. A interpretação apenas amplia o alcance desse gesto. É a poesia de um espírito que não se acomoda e que se confessa no limite da exaustão. É a música secreta de Pessoa projetada no espaço, incendiada por uma voz que entende que o poema não é para ser explicado, mas sentido.
A Passagem das Horas continua sendo isso: um espelho partido onde a alma moderna se reconhece. E, quando dita com essa intensidade, torna-se uma ode àquilo que permanece indizível. Uma claridade inquieta. Uma beleza cansada. Um instante de revelação antes que a vida avance de novo e nos engula.
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