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O Pensamento de Edgar Morin




Edgar Morin atravessou um século inteiro como quem atravessa um rio cheio de redemoinhos, mas sem jamais perder a chama que ilumina. A vida dele é longa não por simples biologia, e sim porque poucas mentes sustentaram durante tanto tempo a coragem de pensar o mundo como ele realmente é: contraditório, plural, turbulento e fascinante. Morin enxergou cedo que a modernidade simplificadora produzia cegueira. E seu gesto intelectual foi o de um artesão que reconstrói o olhar, fio a fio, até que o tecido do real reapareça com sua complexidade intrínseca. Nada em seu pensamento aceita atalhos. Ele não entrega respostas fáceis. Ele exige que o leitor pense com ele, numa espécie de pacto de lucidez.

O Pensamento Complexo nasce desse compromisso ético e epistemológico. Morin sabia que a ciência cartesiana, embora brilhante, havia amputado uma parte decisiva da realidade. Separou o que na vida é inseparável. A complexidade, para ele, não é ornamento. É destino. Ela expressa o fato simples e brutal de que tudo está ligado, de que sistemas se influenciam mutuamente, de que uma ação gera efeitos imprevisíveis e de que a humanidade se encontra presa em redes de interdependência. 


                                  "Pensar complexamente é abandonar a fantasia da certeza absoluta e aceitar que o conhecimento se faz navegando entre ordem, desordem e organização. O mundo é ecossistema. É metamorfose permanente".


Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro condensam essa visão [inovadora] num programa de reconstrução do espírito humano. Morin pede que reconheçamos o erro, a ilusão e a própria fragilidade do conhecer. Ele exige que compreendamos a condição humana em toda a sua densidade biológica, psíquica, cultural e histórica. Pede que o ensino recupere a identidade terrena, que encare a humanidade como comunidade de destino num planeta finito. Ele clama pelo enfrentamento das incertezas, pelo aprendizado de convivência e da ética da compreensão. E, por fim, pela construção de uma antropoética baseada na responsabilidade mútua. Não há solução para o século sem essa virada intelectual, moral e espiritual.

No centro desse projeto vive o Homo Complexus. Morin não vê o ser humano como criatura linear. Ele o entende como uma confluência de opostos: sapiens e demens, razão e delírio, ternura e violência, poesia e cálculo. Somos compostos por camadas que dialogam e se chocam. Somos, ao mesmo tempo, agentes e produtos do mundo. O Homo Complexus carrega a luz do conhecimento, mas também as sombras do imaginário. Carrega os vínculos da solidariedade e as tentações da barbárie. A grande tarefa humana, diz Morin, é assumir essa multiplicidade sem mutilar nenhuma de suas faces, para que o indivíduo possa agir com lucidez num mundo que insiste em complicar tudo.

A obra de Morin é, em última instância, uma pedagogia da humildade e da coragem. Humildade para reconhecer que não sabemos quase nada diante da vastidão do real. Coragem para aceitar o risco de pensar sem muletas, sabendo que a verdade é sempre provisória. Morin ensina que viver é habitar a incerteza com elegância. Ensina que compreender o outro é condição de sobrevivência. Ensina que a cultura, a ciência e a política precisam se reconciliar para que a civilização avance em vez de ruir.

Ler Morin é como abrir a janela depois de décadas em um quarto escuro. O ar entra, abre espaço, obriga a respirar. Seu pensamento não salva ninguém, mas desperta. E, num século marcado por simplificações violentas, esse despertar talvez seja o gesto mais necessário. Morin não oferece dogmas. Oferece um caminho, feito de lucidez, de responsabilidade e de uma certa esperança teimosa de que, apesar de tudo, ainda podemos nos tornar dignos da complexidade que nos constitui.

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