Khatia Buniatishvil: Rachmaninoff Piano Concerto No.2 [Movement] Adagio Sostenuto

Quando escuto Khatia Buniatishvili no Adagio sostenuto do Concerto nº 2 de Rachmaninoff, sinto que entro num daqueles raros lugares onde a música deixa de ser som e vira respiração. É uma das minhas interpretações preferidas, talvez porque Khatia tenha esse jeito febril e ao mesmo tempo íntimo de tocar, como se cada nota fosse arrancada de um pensamento profundo demais para caber na superfície do mundo. Eu sempre volto a Rachmaninoff como volto a Mahler: por necessidade. São compositores que entendem o drama humano sem pedir desculpas. Não edulcoram nada. Sabem que a alma pesa.

Nesse movimento, Rachmaninoff parece desmontar o tempo. Khatia entra com o piano macio, quase tímido, mas logo cria uma espécie de claridade melancólica. As cordas abrem espaço, o tema cresce, e aquela dor boa, elegante, típica de Rachmaninoff, desce sobre nós como neve quente. É música para sentir no peito, não na cabeça. E ainda assim exige da gente uma inteligência emocional que nem sempre temos à mão.

Gosto do modo como Khatia conduz o Adagio sem pressa, sem se exibir, mas deixando escapulir uma intensidade que beira o delírio. É como se ela sussurrasse que a beleza existe justamente porque estamos sempre quase perdendo tudo. Mahler diria isso anunciando o fim do mundo; Rachmaninoff, com um piano que parece pedir para ficar mais um minuto.

Cada vez que ouço essa interpretação, lembro por que música é o último território sagrado. Porque ali, por alguns instantes, a gente sente que vive de verdade. E que vale a pena.