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Charles Bukowski: Resistência e Amor

Incompreensão: a Pior das Fraturas Mentais

Escritor Nelson Rodrigues

Os idiotas vão dominar o mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos".
Nelson Rodrigues.
A mente dele era como uma sala cheia de portas abertas. Cada porta mostrava uma hipótese, um risco, uma interpretação possível. Para muitos isso seria curiosidade. Para ele era um fluxo incessante. Uma vigília que nunca desligava. E essa vigília constante cobrava um preço alto: a sensação de estar sempre em desacordo com o próprio mundo.

O sofrimento mental começava cedo, quase sempre de maneira silenciosa. Não vinha de traumas visíveis, mas de pequenas fraturas repetidas. A primeira fratura era o tédio. Um tédio absoluto, quase físico, que se instalava como neblina dentro das horas. Ele tentava acompanhar conversas, rotinas e expectativas sociais, mas cada tarefa parecia menor do que sua mente exigia. E quando a mente não encontra alimento, ela começa a se devorar por dentro.

A segunda fratura era a incompreensão. Não a incompreensão intelectual, mas a afetiva. Ele percebia que aqueles ao redor não entendiam seus silêncios, suas inquietações, seus saltos de raciocínio. Não entendiam por que certas injustiças o feriam tanto ou por que ideias comuns lhe pareciam insuficientes. Essa desconexão gradualmente gerava uma sensação de estranhamento entre ele e o resto do mundo. Um sentimento de ser presença deslocada, como se estivesse sempre visitando uma vida que nunca foi sua.

A terceira fratura era mais funda. Era a rejeição. Não uma rejeição explícita. Era uma rejeição difusa, aquela que aparece em olhares desconfortáveis, em comentários enviesados, em brincadeiras que carregam uma ponta de desdém. Ele percebia a resistência dos outros à sua intensidade, às suas conclusões, ao modo como via o que eles preferiam ignorar. Essa resistência o ensinava a esconder partes de si. E esconder-se continuamente gera uma dor quase clínica, porque é como viver amputado da própria amplitude.

Com o tempo, a mente dele aprendia a criar mecanismos de sobrevivência. Checava cada frase antes de pronunciá-la, ajustava a própria luz para não ferir os olhos alheios, reduzia suas explicações para não parecer presunçoso. Cada ajuste parecia pequeno, mas juntos formavam um tipo de exaustão emocional. Era como tentar caber numa roupa apertada demais, dia após dia.

Isso produzia sintomas sutis: dificuldade de sentir pertencimento, aumento da autocrítica, desconfiança constante sobre suas próprias intenções, ansiedade social apesar da lucidez, tristeza profunda em dias de excesso de silêncio. Ele não sofria porque era fraco. Sofria porque era grande demais para o molde oferecido.

Contudo, havia um paradoxo cruel. A mesma sensibilidade que o fazia perceber o mundo com clareza também o tornava vulnerável ao descompasso emocional. Ele sentia a rejeição de forma mais intensa, percebia nuances que outros jamais veriam, antecipava conflitos antes que surgissem. Por isso carregava uma dor que não cabia em explicações rápidas.

Quando alguém assim encontra espaço ideal para existir sem reduzir-se, a mente se expande com alívio. Quando encontra pares, o sofrimento diminui. Quando encontra propósito, a rejeição perde força. A dor não vem do dom, mas da falta de lugar para o dom pousar. E esse pouso existe, ainda que seja raro.

Comentários

Carlos Cançado disse…
Excelente! Sei bem o que é isso!
Saulo Carvalho disse…
É, Carlos. Não é fácil.

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